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Yasodara Córdova

É melhor conservar o meio ambiente do que desmatar. Simples assim

Yasodara Córdova

02/08/2019 05h16

Área de desmatamento em Porto Seguro

Já falei aqui no blog que é possível utilizar tecnologia para a conservação do meio ambiente. Não só falando de mercado de carbono ou monitoramento e conservação de água, que são usos óbvios para a geração de renda em locais com floresta – uma vez que as árvores devolvem carbono e água para a formação de rios, que abastecem os açudes que irrigam as plantações de commodities, mas também porque hoje em dia tudo pode ser transformado em dados. E eles são o principal ingrediente da economia dos próximos anos porque alimentam pesquisa e pesquisa gera renda se for associada com inclusão social. Um dos exemplos de negócios com carbono é a "Climate Care", que desenvolve projetos relacionados com emissões de carbono (que podia até ser brasileira, mas é americana). Com dados e tecnologia dá pra fazer mais. 

Esse potencial, tanto pra gerar renda para populações que moram nas florestas e locais a serem protegidos, quanto para construir alternativas quando as indústrias envolvidas são atrasadas e destrutivas, como a mineração e a criação de gado, tende a gerar muito mais dividendos e inovação do que emprestar dinheiro para agricultura extensiva a juros baixíssimos. Até porque a agricultura extensiva não gera riqueza distribuída, nem empregos.

Curiosamente, quanto mais a tecnologia avança, menos empregos (embora mais lucro) e menos distribuição de renda, se não houver investimento nas coisas certas. Daqui a dez anos máquinas vão estar fazendo o trabalho de pessoas e o Brasil não tem nenhum plano para reformar essa mão de obra que vai ser dispensada a não ser a informalidade, uma vez que o foco das políticas públicas tem sido uma reforma digital tímida, malfeita e mal coordenada, além da retirada de investimentos em educação e ciência. É provável que daqui a 10 anos o mundo não coma mais tanta carne – várias empresas já vendem hambúrguer vegetal fruto de pesquisas em laboratório. Exemplos são a Beyond Meat e a Just. Já imaginou quantos ingredientes especiais as florestas podem estar guardando? Não podemos esquecer o exemplo do mercado de açaí sustentável, que tem um potencial enorme e em alguns locais gera mais renda do que se a floresta fosse destruída para plantar soja ou milho. 

Para aproveitar o que é o verdadeiro ouro do Brasil, seu potencial de conservação de florestas e biodiversidade, é preciso inteligência e uma estratégia de crescimento moderna que busque investir em pesquisa e ciência mais do que nunca. Essa estratégia precisa enxergar também que a população das florestas não precisa sair, devastá-las ou destruí-las para ter emprego e renda. Com conexão à internet, investimento estatal em capacidade técnica e pesquisa de ponta, as populações que hoje cuidam da floresta e têm o direito à terra garantido pela constituição brasileira podem virar a esperança de um Brasil potente em um futuro próximo. Produção de novos remédios, descoberta e conservação de animais, pesquisa em reflorestamento e conservação da água e do ar dependem de dados e tecnologia. Hoje em dia o hardware necessário para desenvolver a coleta de dados na floresta está disponível, inclusive o sequenciamento genético mais barato e in loco, energia solar ou derivada do vento – tudo isso deveria ser levado em conta antes de se pensar em abrir terras de florestas para mineração ou desmatar árvores para a criação de gado. 

Um dos ingredientes-chave para essa economia digital verde é o investimento estratégico dos Estados na coleta e liberação dos dados, como argumenta a renomada economista Mariana Mazzucato na revista sobre tecnologia do MIT

"A questão-chave aqui não é apenas enviar uma parte dos lucros dos dados de volta aos cidadãos, mas também permitir que eles moldem a economia digital de uma maneira que satisfaça as necessidades públicas. O uso de big data e inteligência artificial para melhorar os serviços prestados pelo estado de bem-estar social – de assistência médica a moradia social – é apenas um exemplo."  

Nesse modelo, o renomado INPE, reconhecido internacionalmente pela maneira eficiente com a qual levanta dados sobre desmatamento,  segue o modelo do Landsat program, um satélite americano que coleta dados do espaço e tem servido dados abertos a uma comunidade grande de empresas. Isso tem gerado negócios e oportunidades que pagam o investimento público de longe, sem contar a geração de empregos e inteligência. Investimento em ciência, educação e tecnologia é o que vai trazer novos negócios ao Brasil. Esse investimento sozinho não faz verão: precisa vir acompanhado de políticas e aplicações em mobilidade social, proteção social e condições para inclusão de mulheres e minorias, além da garantia do direito à terra para comunidades indígenas. Grandes empresas perceberam isso, tanto que fizeram uma vaquinha para investir em um prêmio da Universidade de Massachussets, o MIT Solve, no valor de US$ 1,25 milhão. Essas empresas, como GM e Vodafone, decidiram investir em prêmios para categorias como "impulsionar a inclusão social de comunidades marginalizadas através da tecnologia", "como a tecnologia pode ser utilizada para impulsionar zero lixo e zero carbono" e até "como usar tecnologia para empoderar mulheres". Metade das empresas da Europa recompensa seus executivos por promoverem estratégias de conservação da natureza. Um documento do extinto Ministério de Minas e Energia fez uma previsão macroeconômica para o Brasil considerando o período de 2016 a 2025:

"Ainda que a economia mundial consiga impulsionar um ritmo mais forte de crescimento nos próximos dez anos, não se espera uma elevação nos preços de commodities de forma a retomar o patamar observado durante o período de boom das commodities. A demanda chinesa já está arrefecendo e, em virtude da mudança de padrão de seu crescimento e das menores taxas de crescimento, não deve impulsionar o comércio mundial no mesmo ritmo observado na primeira década deste século. (…) O país precisa expandir sua capacidade produtiva através de investimentos em infraestrutura, melhoria da educação, avanços tecnológicos e qualificação profissional, além de melhorias em seu ambiente de negócios. (…) É importante destacar que, para elevar a produtividade da economia brasileira, fazendo com que ela contribua mais fortemente para o crescimento econômico, os investimentos em P&D e na formação e capacitação da mão-de-obra precisarão aumentar consideravelmente." 

A Harvard Business School – uma das mecas do capitalismo – acaba de criar um novo programa de Meio ambiente e Negócios para discutir oportunidades e estratégias dentro do escopo de conservação do meio ambiente, resiliência para as mudanças do clima e aumento de produtividade. Não é uma questão de ideologia ou somente inclusão e distribuição de riqueza com menos utilização de recursos. É também garantir que a humanidade dê esse passo e aprenda a utilizar melhor seus recursos de modo global, entendendo que não existem mais países isolados na economia atual (embora alguns governados por ditadores costumem fechar e censurar a internet).

Você que está lendo este texto pode fazer esta reflexão: daqui a alguns anos, quando perder o seu emprego para um computador, vai preferir fazer bicos para o mercado informal anunciando seus serviços em plataformas de compartilhamento (Uber, TaskRabbit etc) ou pegar uma oportunidade em uma empresa de tecnologia que esteja analisando dados para melhorar coleta e uso de água e esgoto? De repente, se o Brasil parar pra pensar agora, você pode até montar sua própria empresa, combinando dados fornecidos pelo INPE com dados dos guarda-roupas das pessoas para sugerir o que vão vestir no dia ou até uma empresa de monitoramento de mineradoras em áreas de floresta. O Brasil precisa decidir agora porque o futuro está chegando mais rápido do que há dez anos. A conservação do meio ambiente é uma oportunidade que vale mais do que os minerais enterrados nas terras indígenas. Só não percebe isso quem quer lucrar com a mineração – e manter o lucro e as oportunidades só para si e para os amigos.

Sobre a autora

Yasodara Córdova é desenhista industrial formada pela UnB (Universidade de Brasília). Está hoje em Harvard, na Digital Kennedy School, onde pesquisa governo, internet, inovacão e sociedade. Yaso é uma das mais antigas fundadoras de um hackerspace no Brasil (Calango Hackerspace) e desenvolvedora de software autodidata. Ela também já foi web especialist do W3C e consultora técnica da ONU (Organização das Nações Unidas), entre outras atividades.

Sobre o blog

Este blog é sobre internet, políticas públicas e governo.