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Yasodara Córdova

É sério: leia os comentários. Para nosso próprio bem

Yasodara Córdova

08/10/2019 04h00

Foto: Luis Villasmil/Unsplash

Todo mundo já ouviu a célebre frase: "nunca leia os comentários", embora seja difícil achar um iluminado que nunca tenha feito ao menos um comentário aleatório em notícias notícia fora do contexto sem ler direito, só para depois se arrepender. Os comentários, que datam desde as origens dos fotologs da vida, não evoluíram quase nada em formato e conteúdo. São extremamente pessoais, carregados de contexto desconhecido e muitas vezes expressam sentimentos ruins em tom de desabafo ou sarcasmo.

Algumas empresas, no entanto, fazem do limão a limonada, transformando comentários parte do conteúdo de seus sites. Outras plataformas praticamente vivem de comentários (é o caso do Facebook), enquanto sites de jornais geralmente optam por… ignorá-los em público, ainda que levem em conta os comentários como medida de "engajamento": quanto mais comentários, mais o artigo recebe visitas. Às vezes comentários passam do limite do aceitável e a pessoa, que é dona do perfil, ou a empresa que o mantém, opta por fechar. Também acontece de a caixa de comentários virar reunião de partido, ou até mob de linchamento. 

Porque isso acontece? 

Comentaristas são um tipo de comunidade, assim como seus seguidores. A favor dos comentários, eles ajudam a criar a comunidade em torno de assuntos, ajudam a entender o que o leitor quer que o escritor escreva, aprofundando o relacionamento entre quem escreve e quem lê, mantendo o leitor envolvido, especialmente quando o escritor responde os comentários e mantém a comunidade ativa.

Veja também:

Comentários são bem diferentes de uma plataforma para outra. Como já escrevi aqui, Facebook e Twitter são plataformas que valorizam opiniões pessoais sobre assuntos da imprensa. Retiram dos blogs, jornais, fotologs e websites de "notícias alternativas" o monopólio sobre os comentaristas e sobre as opiniões, mantendo sempre o controle da exibição via algoritmo. Em outras palavras, o comentarista vira o escritor, o que pode ser problemático porque opiniões não são baseadas em fatos, muitas vezes. Como disse ali em cima, comentários têm uma carga pessoal muito contextualizada; talvez por isso sejam, com frequência, desabafos. 

Nos meios que citei, como blogs, jornais, fotologs (Instagram incluído), YouTube, ou sites que se especializam em temas, os comentaristas podem ou não formar comunidade. Um blog brasileiro onde existe uma comunidade ativa que sempre comenta é o blog da Lola Aronovich, que fala sobre feminismo. A autora, com maestria, modera os comentários mais agressivos e ofensivos, já que foi vítima de vários mobs no passado, e agora mantém o ambiente seguro por lá. Outro blog que recebe bastante comentário é aqui do UOL, o do jornalista Jamil Chade, especialmente quando é polêmica a postagem. Eu mesma recebo poucos comentários. Bati o recorde quando falei que não existe censura na Internet para os Ministros

Comentários podem ser ou não uma maneira de expressar opinião, perguntar algo ou apenas corrigir quem escreve pontualmente. Às vezes, um comentário confuso pode ser prontamente esclarecido por um outro comentarista do mesmo post, como já aconteceu por aqui (veja a imagem). 

Como eu já contei num outro post no Medium, onde falo de comentários obscuros e às vezes criminosos, políticos brasileiros que se fizeram pela internet, especialmente os adeptos das teorias do falecido Enéas Carneiro, costumavam formar guetos em blogs com seus comentaristas. Não é à toa que blogs e sites alternativos sobre teorias da conspiração e bizarrices migraram parte dos comentários para o YouTube e Facebook, plataformas que dão visibilidade e conectam comunidades, especialmente nos comentários. 

Alguns veículos respeitados, no entanto, decidiram fazer algo com os comentários mais úteis, na ideia de puxar o nível das contribuições pra cima, e não piorar o que já era ruim. O jornal The New York Times, por exemplo, publicou um "manual do comentário", um guia claro que estabelece as regras para essa bem vinda participação. Hoje, o jornal incorpora os melhores comentários como conteúdos das próprias matérias em alguns casos, e há comentaristas que inclusive chegam a escrever artigos para o jornal, muitas vezes rebatendo posts onde haviam comentado.

Outros veículos têm criado regras semelhantes com o objetivo de ativar a participação. Afinal, comentários são muito importantes para quem escreve, justamente porque o leitor é a parte mais importante de um texto de internet. Um texto sem comentários ou é desinteressante, ou não tem alcance (pode ser que a pessoa que escreve seja uma eterna solitária), ou é de um blog do Ministério da Saúde: o conteúdo é até importante, mas quem vai comentar no anúncio da campanha de vacinação, afinal?

Comentários de portal podem ser uma infindável fonte de piadinhas, muitas vezes de mau gosto, muitas vezes involuntárias. As comunidades de comentários do Orkut parecem ter migrado pro Facebook, nos proporcionando pérolas diárias para dar risadas ou só perder mais um pouquinho a esperança na humanidade mesmo. 

Para usuários mais "cult", o Tumblr e outros sites de interface arrojada, voltados para nichos, como o DevianArt (arte) ou o Unsplash são mais recomendados. Já para a conversa da mesa do bar mais fuleiro que se pode ir, tem os jornais de conteúdo gratuito. Ali, você deixa seu clique em troca de ler comentários ofensivos, mal escritos (vai que o comentarista estava bêbado, inclusive) e cheios de abreviações para palavrões. 

Comentários e comentaristas de portal são parte imprescindível da Internet. Tem pra todas as horas, para todos os gostos. É importante sair das redes fechadas de opinião e postar comentários em artigos, fotos, deixar sua opinião não só sobre a cor dos cabelos de alguém, mas sobre política, tecnologia, ou só sobre uma determinada paisagem. 

Falando nisso, comenta aqui nesse artigo, o que você acha dos comentários da Internet? Prometo postar o melhor comentário no próximo artigo!

Sobre a autora

Yasodara Córdova é desenhista industrial formada pela UnB (Universidade de Brasília). Está hoje em Harvard, na Digital Kennedy School, onde pesquisa governo, internet, inovacão e sociedade. Yaso é uma das mais antigas fundadoras de um hackerspace no Brasil (Calango Hackerspace) e desenvolvedora de software autodidata. Ela também já foi web especialist do W3C e consultora técnica da ONU (Organização das Nações Unidas), entre outras atividades.

Sobre o blog

Este blog é sobre internet, políticas públicas e governo.