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Yasodara Córdova

Dados, meio ambiente e sustentabilidade: será que temos uma saída?

Yasodara Córdova

24/05/2019 13h17

A pergunta que dá título a este artigo é uma das questões mais importantes para formuladores de políticas públicas, reguladores e acadêmicos à medida que procuramos investigar como os benefícios do Big Data e da Inteligência Artificial podem ser aproveitados de maneira a promover sustentabilidade e, sobretudo, um modo de vida mais justo para todos.

O problema reside, muitas vezes, em como fazer a transição da economia baseada em petróleo para uma economia sustentável que use combustíveis menos poluentes e incentive ciclos que priorizem a reciclagem e o consumo local. Nos Estados Unidos, a representante dos Democratas Alexandria Ocasio Cortez propôs um pacote de incentivos e, inspirada no plano do presidente Franklin D. Roosevelt em resposta à Grande Depressão, o chamou de "Green New Deal" — o projeto de Ocasio Cortez trata do combate à desigualdade e do financiamento de ideias e propostas que abordem as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global.

No Brasil, as coisas tendem a ser um pouco diferentes. Em primeiro lugar, ainda temos muitas florestas e, de acordo com pesquisas, seria mais interessante em termos econômicos para um futuro próximo se pudéssemos conservá-las. Estudos baseados em dados e não em correntes de WhatsApp analisaram o impacto da agricultura intensiva no Cerrado e atestaram que, apesar do plantio intensivo gerar algum lucro, tem consequências socioeconômicas nefastas, como o aumento da poluição, dano permanente do meio ambiente e aumento da pobreza entre a população local, com êxodo para as cidades.

Ainda assim, como no momento o discurso no país é sobre a necessidade de crescimento a qualquer custo, gerando incentivos para a economia para que nós possamos sair da crise e as pessoas tenham melhores condições de vida, fica difícil argumentar com quem pensa que passar o trator e plantar soja é uma saída.

No entanto, é preciso criatividade para sair dessa crise e preservar o futuro. O Brasil é um país uma biodiversidade sem igual. A primeira coisa que temos que nos convencer é que podemos criar uma economia baseada no conhecimento e na tecnologia, mais inteligente do que o plantio intensivo e a consequente destruição dos recursos naturais no Brasil. Eu cresci no cerrado e convivi com a morte da cultura local e a invasão de produtos industrializados na mesa do vaqueiro, que deixou de ser vaqueiro para ser favelado. Empresas de plantio intensivo se apóiam em maquinário e tecnologia, mas também em monopólios, gerando poucos empregos e destruindo os que existiam antes da mecanização.

Por isso, pesquiso as transições para a sustentabilidade através da inovação do sistema. A necessidade de uma transição socio-técnica como uma estratégia para o Brasil emerge do debate não resolvido e duradouro entre conservacionistas e desenvolvimentistas, ao passo que pode haver um novo conceito, empurrando as fronteiras da inovação para os formuladores de políticas públicas, que tem que se preocupar com uma segunda onda de perdas de postos de trabalho, precarização dos serviços de governo e atendimento às populações mais carentes. O Brasil precisa ter em mente o uso de tecnologia para a diminuição da desigualdade, e rápido.

Imagem de satelite do rio de janeiro

Image credit: Landsat 8/NASA Earth Observatory

A estratégia para o desenvolvimento de uma nova economia, passa por entender os dados como infraestrutura para o desenvolvimento da inovação e capacitação tecnológica e como uma ferramenta para alcançar o crescimento econômico sustentável. Não por acaso, um dos assuntos que mais me intriga. "A inovação não é apenas não linear, mas é altamente interconectada, com vários ciclos de retroalimentação entre o Big Data e as diferentes tecnologias", defende Mangabeira Unger, professor em HarvardA idéia é mapear as correlações entre a educação e o desenvolvimento de plataformas para a sustentabilidade nas regiões de floresta no Brasil, oferecendo soluções políticas e socioeconômicas que englobem os aspectos brasileiros e a necessidade de diminuir a desigualdade preservando a floresta. O acesso a recursos e infraestruturas tecnológicas pode promover as mudanças necessárias em uma transição sociotécnica, como argumenta a pesquisadora Anna J. Wieczorek: o ecossistema digital engloba uma nova orientação em direção à inovação, aproveitando análise de dados, aprendizado de máquina, inteligência artificial, logística, robótica e outros serviços entrelaçados, compondo uma alternativa econômica para o futuro de regiões rurais — podendo inclusive substituir o plantio intensivo com o tempo.

O entendimento de que o aumento de capacidades relacionadas a atividades de dados pode gerar valor se conecta ao 'design' de modelos de negócios que são aproveitados com atividades digitais. Os mercados de produtos derivados da biodiversidade, como saúde global, saúde individual e até mesmo o mercado de comércio de carbono ainda estão por vir no brasil e, portanto, precisam estar na agenda de desenvolvimento dos países que pretendem crescer economicamente de forma sustentável nos próximos 15 anos. É sobre isso que estamos discutindo em um workshop organizado por mim e Lorrayne Porciuncula, outra brasileira afiliada ao Berkman Klein Center em Harvard, com foco em dados para países em desenvolvimento e suas consequências, chamado  "Data as Development" — "Dados como Desenvolvimento", em tradução para o português .

Um dos exemplos que eu mais gosto de citar é o da engenheira Sakthy Selvakumaran, que foi considerada uma das melhores inovadoras com menos de 30 anos em 2016 pela Forbes. Ela propõe o uso de imagens de satélites para monitorar infraestrutura em cidades. O método, baseado na observação de mínimos detalhes em prédios ou pontes, pode ser utilizado para evitar acidentes como o que ocorreu na Itália em 2018 e que matou 27 pessoas.  (Você pode ver o TedTalk dela aqui, é super interessante!). Há exemplos para monitoramento de florestas, manejo de animais e até sequenciamento genético.

Todos os dias vejo casos em que soluções simples e baratas poderiam ter sido implementadas, como na gestão de barragens, evitando crimes ambientais como o que aconteceu no Brasil neste ano, com a Vale matando mais de 200 pessoas e um rio inteiro. Dados sobre infraestrutura, obtidos de maneiras não ortodoxas, como 'laser' ou sonar, por exemplo, devem ser fortemente considerados como prioritários para uma estratégia de dados governamentais. O Brasil deveria repensar sua infraestrutura de dados agora, visto que tem vocação para liderar um esforço de transição econômica para uma economia verde baseada na economia digital, abandonando velhos métodos.

Câmeras e microfones podem ser substituídos por tecnologia acessível, como sensores de som e iluminação, considerando o armazenamento e a infraestrutura, proporcionando dados melhores e mais precisos, além de preservar a privacidade e os direitos humanos. Lembrando que, onde há 'software', há coleta de dados.

É claro que muitos esforços dentro dos governos foram feitos para coletar todos os dados possíveis, incorporados em projetos que enxergam dados como um valor inquestionável, mas deixando para trás as considerações sobre a privacidade dos cidadãos (e direitos humanos). Também foram ignorados os custos para manter esses dados em longo prazo ou mesmo para preservar dados pessoais de atividades predatórias, como vazamentos.

Essa estratégia deve ser parcialmente deixada para trás, e uma nova perspectiva deve ser adotada na administração pública, especialmente onde não há regulamentação em vigor. Com regulamentação, caso do Brasil, que já tem sua lei de dados e privacidade, a segurança e o cumprimento das normas para armazenamento de dados pessoais é maior ainda. Claro, é compreensível que os primeiros dispositivos a serem considerados como ferramentas de coleta de dados sejam celulares, carros ou dispositivos inteligentes dentro de residências, pois já estão lá. Tecnologias mais baratas para coleta de dados podem ser incluídas nas conversas sobre sistemas para governo digital, focados em recursos e não em pessoas, deixando de lado o fetiche da vigilância. Vamos esquecer os celulares e computadores e focar em dados de infraestrutura e meio ambiente.

É só pensar fora da caixinha.

Sobre a autora

Yasodara Córdova é desenhista industrial formada pela UnB (Universidade de Brasília). Está hoje em Harvard, na Digital Kennedy School, onde pesquisa governo, internet, inovacão e sociedade. Yaso é uma das mais antigas fundadoras de um hackerspace no Brasil (Calango Hackerspace) e desenvolvedora de software autodidata. Ela também já foi web especialist do W3C e consultora técnica da ONU (Organização das Nações Unidas), entre outras atividades.

Sobre o blog

Este blog é sobre internet, políticas públicas e governo.